Daniel Mattos – Capítulo 7 – Uma corrida contra o maldito ponteiro:


No outro dia a cidade inteira comentava o assassinato do hotel King Palace. A polícia estava no hotel fazendo perguntas e Daniel achou melhor continuar representando; fez o papel do aluno de natação que perdera o professor.

014 tinha um pensamento fixo: o laptop. Assim que a polícia saiu do Palace, ele saiu também.

Andando na direção contrária à tomada pela viatura e procurando evitar a imprensa, Daniel andou 3 quarteirões, parando no primeiro telefone público. Precisava se comunicar com o pessoal. Discou para o Quartel do Exército de foz, usando antes um código de seis dígitos.

“Q.G. Foz, pois não?” - atenderam.

“014 na linha. Emergência com o setor de F.”

“014, se identifique.”

“D. M., nº completo 0141993/01.”

“Um instante.”

“Olá, 014.”

“F?”

“Em pessoa. Achei que uma comunicação sua valeria a pena.”

“Olha, perdi o meu contato, ele era dos caras. Mataram-no ontem à noite.”

“O Rubens? Já soubemos do assassinato. Vamos tomar providências.”

“Não posso explicar agora, mas eu preciso do laptop dele. Eu acho que está com o cara do hotel.”

“Como pretende conseguir?”

“Vou voltar pro hotel daqui a 5 minutos. Tudo o que terão de fazer é ligar para lá, pedir para falar com Carlos, do nº 12, e enrolar o cara.”

“Que confiança! Vou ver o que podemos fazer. Boa sorte, e não deixe eles te pegarem.”

“Tranquilo. Bye, F.”

014 saiu do telefone, mas não voltou em seguida. Podia estar sendo observado. Entrou na sorveteria em frente e pediu um duplo de morango. Dissera 5 minutos, dava pra ir tomando o sorvete devagar enquanto andava.

Entrando na recepção ouviu a moça que estava atendendo o telefone dizer:

“Vou passar a ligação para o quarto do Carlos, um minuto...não...não posso fazer ele vir à recepão para atender, moço...vou passar para o quarto dele.”

“Bolas!” - 014 resmungava - “Não lembrei dos telefones dos quartos. Droga!”

A recepcionista já estava passando a ligação, 014 não teria muito tempo, não sabia até quando o pessoal passaria o homem na conversa. Olhou para o relógio do pulso: “Uma corrida contra esse maldito ponteiro.”

014 foi até seu quarto correndo, e pegou a câmera digital que a Abin tinha dado à ele: do tamanho de um cartão telefônico, e espessura de uma polegada. Também não se esqueceu do ioiô: brinquedo fútil para ele, sem nada especial, como nos filmes e livros de ficção (esse não foi a Abin quem deu, ele mesmo comprou), mas que poderia ter serventia. Ainda levou o soco-inglês que a Abin forneceu (esperava nem usar).

Não tinha plano específico para invadir o apartamento do cara, ia pensar quando a hora chegasse.

Adrenalina a 300 por hora, uma super-pressão arterial – para essa hora não tinha treinamento que resolvesse, tinha que ser a experiência. 014 tinha até receio do cara escutar as batidas do seu coração.

Chegou em frente à porta, parou. Olhou para os dois lados do corredor e colou o ouvido à porta: tudo calmo, lembrava o apartamento do Rubens depois que arrombara a porta.

Com receio, desceu para a recepção:

“Olá!” - puxou conversa com a recepcionaista.

“Oi.”

“O Carlos saiu?”

“Saiu. Agora pouco ligaram pra falar com ele.”

“Viu se ele estava com alguma mala?”

“Não, ele não levava nada.”

“Valeu.” - Daniel deu uma gorjeta pra moça esquecer a conversa e subiu de novo.

Dessa vez foi ao seu quarto pegar uma chave-mestra.

Parou na frente do nº 12, conferiu o corredor e girou a chave. Com cuidado, a porta se destravou. Sentindo a sensação de que tinha um bumbo no peito, abriu a porta com um lenço na mão, para não deixar as impressões digitais. A primeira vista, o apartamento era idêntico ao seu, mas olhando bem, 014 distinguia pequenos detalhes sutis que faziam uma grande diferença. Conferiu que o telefone estava na saleta perto da porta, o que era bom. Indo para o quarto o telefone tocou. Bom sinal, a Abin estava agindo. Viu o laptop em cima da cama, podia ser que o cara não tinha dado muita importância, o que era bom.

Abriu o laptop ainda com o lenço na mão. Agora fazia diferença o treinamento da Abin.

Como um Hacker experimentado, descodificou o computador em um instante. Agora vinha o mais demorado: procurar sem saber o que estava procurando.

Digita aqui, pesquisa alí, fuça acolá, 014 viu um nome que o fez paralisar por completo: Ernesto Mattos!

Nessa hora a porta do corredor abriu. 014 sentiu um gelo na espinha.

A maçaneta da porta do quarto começou a girar. Um soco-inglês apareceu em um piscar de olhos na mão direita de 014, enquanto a esquerda se preparava para girar o ioiô.

“Triiiimm” - o telefone. A maçaneta voltou ao lugar.

“Alô?”

Um suspiro de alívio saiu involuntariamente de Daniel. Agora era uma tremenda corrida.

Pegou a máquina sem largar o soco-inglês e começou a fotografar os documentos de textos que apareciam a medida que o computador pesquisava as palavras “Ernesto”, “Mattos”, “Rubens”, e “armas”.

Já tinha tirado em média 40 fotos e fechado o laptop quando o “clique” do telefone apavorou de novo 014.

Deixou o laptop do jeito que encontrou e passou a perna pelo parapeito da janela. A janela dava para a rua que cruzava a avenida Paraná. 014 torceu para que ninguém olhasse para cima e se pendurou pelas mãos na saliência abaixo da janela. Era só um andar, mas uma queda razoável, se não conseguisse alcançar a árvore da rua.

“Droga!” - ouviu Carlos praguejando no quarto - “Engano, é? Depois de todo esse tempo falando comigo, descobre que era com outro Carlos!”

014 sorriu para si mesmo. Balançou um pouco tomando impulso e se atirou em direção à árvore.

“Seja o que Deus quiser.”

Alcançou a árvore por um triz e escorregou pelo tronco até a calçada.

Andou devagar até a entrada do hotel. Antes de entrar, retirou o cartão de memória da máquina e colocou na calça jeans adaptada com bolso interior disfarçado pelo acabamento.

Mais tarde, depositou o cartão de memória no correio com endereço específico que a Abin fornecera para isso. Depois foi direto para o hotel tomar uma ducha fria

“Alea Jacta Est!” - murmurou.



Daniel mattos – capítulo 6 – Assassinato no hotel:

014 se virava na cama do hotel; não conseguia dormir depois daquele confronto com Rubens. Ele tinha tentado explicar a situação ao Rubens, mas ele não deu ouvido. Por pouco Daniel não sofrera uma agressão. Tinha escapado por um triz de levar uma boa surra.

Súbito, um grito cortante penetrou o silêncio da noite no hotel; um “ahh” de deixar até os ossos paralizados.

014 tinha recebido treinamento para essa situação. Levantou-se e do jeito que estava, saiu para o corredor. Descalço e de roupa de cama, chamaria a atenção se alguém o visse. Mas o corredor estava vazio, aparentemente ninguém tinha ouvido o grito agonizante. Correu pisando macio até a porta de Rubens. Colou o ouvido na porta; nada, tudo no mais absoluto silêncio. “Silêncio de morte!” - 014 pensou - “Brrr!”

Tomou distância da porta e chocou-se contra ela: “Blum!” - a porta cedeu com o encontrão.

014 olhou ao redor: tudo calmo. Entrou. Tateando a parede mais ou menos na mesma direção de seu quarto, encontrou o interuptor. Apertou: nada. “Sem luz.” - o coração batia forte.

Aos poucos foi se acostumando com a penumbra. Notou uma cadeira caída, devia estar encostada à porta. Perto da cadeira, um tripé que servia de porta-revistas. Daniel pegou-o; não sabia o que iria encontrar. Usando o tripé como arma de defesa, foi andando até a cama, tropeçando em um monte de móveis caídos. Estranhou, o apartamento lhe paracera bem menos mobiliado.

Girou o olhar em redor e ficou estático quando olhou para o leito: inconfundível, a silhueta do que fora Rubens se destacava do lençol branco, que dava uma visão fantasmagórica. Tomou o pulso só para constatar: morto. Lutando para sair do topor que a visão da morte tão perto havia causado, raciocinou: “Os móveis tombados e tudo revirado significa que os caras queriam alguma coisa, e pode ser que encontraram, mas se não encontraram, vão voltar, preciso ser mais rápido. O que será que motivou a morte dele? Será que souberam da conversa comigo? Carlos me viu entrando no apartamento hoje... O laptop. Cadê o laptop? Preciso dele. Rubens tentou escondê-lo de mim. Tem alguma coisa alí que eu preciso saber.”

Mas por mais que procurasse, não encontrava o abençoado objeto. Olhou até debaixo do colchão; nada. Só aí é que percebeu: o que os caras procuravam era o laptop. “E conseguiram!” - 014 estava nervoso consigo mesmo - “Mas não me conhecem. Nem eu me conheço direito. Agora é tudo ou nada. Como Rubens disse, estou aonde não há volta. E não quero voltar!”

Daniel Mattos – Capítulo 5 – O ponto de onde não há volta

014 abriu porta do quarto e desceu para o restaurante. Lá estava o seu homem. O sujeito estava comprando refrigerante. “Hora de mostrar serviço” Daniel pensou.

Andando normalmente, 014 tirou uma moeda do bolso do jeans, se aproximou da máquina de refrigerante onde o sujeito estava comprando o seu. Chegou bem perto do homem e deixou cair a moeda perto do pé do cara. Abaixou-se para pegar e, quando se levantou, esbarrou-se de propósito no homem, fazendo-o cambalear:

“Desculpe, moço.”

“Hunf...” - o sujeito resmungou.

O homem se abaixou para pegar a chave que tinha caído da sua mão. Era o que 014 esperava. Abaixou-se rapidamente e antes pegou a chave do cara. Antes de entregá-la, ainda consegiu observar: “Apto. 12”.

Pediu desculpas mais uma vez e andou apressadamente para o corredor. Assim que se viu sozinho, correu para o quarto do Rubens. Deu três batidas rápidas e uma espaçada. Rubens abriu:

“O que manda?”

“O cara está com o quarto ao lado do meu.”

“Como você sabe?”

“Ué! O meu é o 11, e o dele o 12.”

“Como você descobriu? Não andou fazendo perguntas, né?”

“Sossegue. Bem, era só isso. Bye.”

Deixando Rubens com uma cara de quem comeu e não gostou, Daniel saiu para a recepção, com um belo de um sorriso.

“Por favor...” - 014 chamou o rapaz da recepção - “O quarto 12 não está vazio? É que o meu professor queria um perto do meu. Preocupado com a competição, sabe como é...”

“Sinto muito, garoto, mas acabei de locar esse quarto.”

“Quem pegou não estaria interessado em trocar com o Rubens? Quem é? Talvez se eu falasse com ele...”

“Não sei não. É Carlos o nome do homem. Mas duvido que você consiga alguma coisa.”

“Vou tentar. Valeu.”

Deixando uma pequena gorjeta com o balconista, Daniel seguiu para seu quarto.

Pegou uma bolsa, colocou nela uma toalha, óculos e touca de natação e seguiu para o quarto do Rubens. Já estava quase na porta quando ela se abriu e o cara saiu. Um alerta tocou no cérebro de Daniel, que achou que o melhor a fazer seria continuar. Entrou pela porta antes do cara fechar, e fechou-a por dentro. Rubens não estava na saleta da recepção. 014 largou a bolsa no sofá ao lado da porta e entrou para o quarto.

“Qual é o galho?” - já entrou bronqueando com Rubens, que estava digitando em um laptop na cama.

“Eu é que pergunto. Descobriu alguma coisa?” - disse já fechando o computador.

“Relatório?”

“Ah, não, não.”

“É. Porque se fosse iria colocar que estava conversando com o Carlos, agente Rubens?”

“Já sabe o nome do cara?”

“Ciúmes?”

“Pô, 014.”

“Por falar em 014, posso saber qual é o seu número, agente?”

“0...023...Por quê?”

“O número completo, agente!”

“Que é isso, Daniel?” - Rubens se levantou.

014 deu um passo atràs e assumiu a posição de Kung-Fu.

“Calma! Vamos conversar...”

014 olhava nos olhos de Rubens. Não falou nada.

“O quê exatamente você quer saber, Daniel?”

“Me passe o laptop!”

“Para?”

“O laptop, Rubens!”

“Olhe aqui, 014, eu sou mais velho e tenho mais tempo de serviço que você...”

“Só que não é na Abin.”

“Daniel...”

“Não precisa ameaçar, eu sei os riscos que corro...e os que você corre!”

“O que quer dizer?”

“Ora, eles não perdoam fracassos, não é mesmo?”

Rubens lançou o laptop com força na cama e se atirou em Daniel.

“Calma, Rubens.” - Daniel se desviou do golpe - “Você ainda pode ajudar e eu não falo nada pra eles.”

“Você, garoto! Você chegou em um ponto de onde não há volta!”


Daniel Mattos – Capítulo 4 – O homem do King

“Bem-vindo à Maringá”, dizia a placa de boas vindas. 014 imaginava que se poderia acrescentar na placa: “paraíso da máfia”, se levasse em consideração as informações que F. lhe dera sobre o submundo maringaense. Segundo F., os caras em Maringá agiam melhor, mas a encoberto.

A única denominação que 014 poderia usar para se referir às pessoas que agiam assim era chamá-los de caras, como F. tinha deixado bem claro.

O ônibus entrava na rodoviária, rodando lentamente. Daniel sentia agora mais do que nunca o batimento cardíaco na boca. Olhava para a plataforma de desembarque em uma mistura de curiosidade e receio, embora sem saber do que recear. Seria tudo tranquilo como F. e o pessoal assegurava? Os caras realmente nunca imaginariam que um garoto estava na pista deles. Poderiam sim, pensar que a Abin já estava por dentro, mas não que mandariam um garoto.

A porta do ônibus abriu e as pessoas começaram a descer. Daniel desceu no meio do bolo. Assim que pisou na plataforma avistou um homem alto, usando terno cinza-escuro, com um lenço azul na mão. Era o sinal combinado. 014 dirigiu-se à ele:

“Olá.”

“Oi.” - o sujeito respondeu secamente.

“014. Como vai?” - Daniel se apresentou. A atitude do homem mudou na hora:

“Ah! Tudo bem, 014? Me disseram que era um garoto, mas eu não poderia adivinhar como era.”

“Tudo bem. Como eu devo chamá-lo?”

“Olhe, pelo número não fica bem nem eu chamar você, mas pelo próprio nome também...”

“Entendi. Como são os nomes?”

“O seu é Daniel. Daniel Mattos.”

“Mas disse...”

“É, não sei seu nome real, mas pra mim disseram que era pra te chamar de Daniel Mattos.”

Daniel entendeu o estratagema; disseram seu nome verdadeiro para o agente, mas o homem não sabia que era o verdadeiro. Era de fato uma boa estratégia, já que eles suporiam que ele não usaria seu verdadeiro nome.

“E você?”

“Sou Rubens. Rubens só. A propósito, como você veio pra cá para participar de um campeonato de natação, sou o responsável por você aqui e seu treinador. Correto?”

“Perfeito.”

“Vai gostar de Maringá, Daniel, apesar de não estar fazendo turismo.”

“Sei. E o hotel?”

“Ah, sim. Vamos lá”

Saíram para o pátio externo da rodoviária.

“Táxi?”

“Seria o mais natural pra quem está aqui só de passagem por algumas semanas.”

Rubens fez sinal para um táxi estacionado perto, e o veículo se aproximou:

“Hotel King Palace, na Avenida Paraná.” - Rubens deu o enderço.

Durante o trajeto não falaram nada que não fossem os comentários usuais de quem vem de outra cidade, como a arborização, o clima variado da cidade, etc.

O táxi estacionou diante de um edifício de dois andares, mas grandes proporções térreas, aonde se lia na fachada externa: “King Palace Hotel”. Logo de cara já se notava que era um cinco estrelas, pelo luxo ostensivo até no exterior.

Desceram. Rubens pagou ao motorista, e eles se dirigiram para a recepção:

“Dois quartos com vista para a avenida.”

“Lamento, senhor, mas só temos um disponível nessa situação.”

“Tudo bem.” - Daniel se precipitou - “Eu fico com outro, professor.” - Disse se dirigindo à Rubens.

“Está certo, campeão.” - Rubens sorriu.

Já no corredor com as chaves, Rubens alertou:

“Eles preferiam que você ficasse com vista para a avenida, por questões estratégicas.”

“Tudo bem, se você quiser, nós trocamos.”

Feita a troca das chaves, cada um foi explorar seu quarto.

Logo à entrada Daniel se impressionou; as proporções eram enormes para só uma cama de solteiro. Notou que a suíte tinha banheira e que o frigobar ficava colocado junto à entrada, aonde tinha uma sala pequena, como uma recepção, mas bem mais cofortável. Foi até a janela e observou a calçada: um Punto vermelho estacionou nesse momento e um homem vestido esporte, mas com elegância, saiu do veículo e se dirigiu ao hotel. Devia ter em torno de uns vinte anos, compleição física avantajada, daria a impressão de um executivo, se não fosse sua pouca idade.

Três batidas breves e uma espaçada na porta. Era Rubens. Daniel foi abrir:

“Então?”

“Olhe pela janela.”

“Que é que tem? Acabei de fazer isso.”

“E viu um Punto vermelho?”

“Vi.”

“E quem saiu dele?”

“Sim. Por quê?”

“É o seu homem.”

“O.K., vou ficar de olho.”

Continua...

Daniel Mattos – Capítulo 3 – Maringá

Já na estação rodoviária, esperando pelo ônibus que iria tomar para Maringá, Daniel olhava pensativo para o céu.

“Então, 014, seguro?” - F. (O nome completo era proibido aos agentes conhecerem), o homem que era o chefe do departamento de pessoal, perguntava se ia tudo bem à Daniel, o 014, seu número de identificação, como era simplesmente chamado.

“Aqui não temos nomes.” - havia dito F. - “Eu sou somente F., você o 014, como dezenas de outros agentes. Não temos nomes, entendeu?”

Desde aquele dia na delegacia da polícia, a vida de Daniel havia mudado muito. Mas só para ele. Para as outras pessoas ele cotinuava em seu incansável e repetitivo cotidiano. Quando saira da delegacia, fora obrigado a dizer a sua avó que o delegado disse apenas que tinha sido um amigo do seu Ernesto quem denunciara o desaparecimento do seu avô.

Depois disso, no outro dia, assim que chegou à escola, tinha um Vectra prata esperando junto ao portão para levá-lo ao centro de treinamento dos agentes. Na escola, para os colegas e professores, um homem tinha dito que ele “Caiu de bicicleta. Entrou na frente do meu carro. Mas está tudo bem, amanhã ou depois ele já pode vir à aula.”

No centro de treinamento, que era no Quartel militar de Foz, Daniel se transformara em 014, o agente mais novo da Abin. Lá, tinha decorado códigos, maneiras de se comunicar com o “pessoal”, golpes básicos de kung-fu, tinham até dado aulas básicas de artes cênicas.

“Você pode precisar falar a mais e se manter impassível, 014, precisa mentir 'legal'.” - F. tinha assegurado.

“Espero nem precisar, F.”

“Mas vai. Não se pode pensar muito pra falar na frente de um profissional.”

E agora, depois de somente um mês e meio de treino, Daniel já estava a caminho da sua primeira missão, na rodoviária, com F. perguntando se estava tudo “seguro”.

“Tudo certo, F.”

“Ótimo, 014.”

“Escuta, e meu avô, hem?”

“Quer saber o que houve, né?”

Daniel não respondeu, olhava fixo para seu chefe.

“Veja, garoto...”

“Agora nem é mais 014...”

“Olhe, 014, o departamento...”

“Resolveu não contar, é isso?”

“Não, mas eles querem dizer quando você retornar.”

“É uma jogada pra me manter na linha? Tá certo. Pode dizer pro pessoal que eu já estou nessa até ao pescoço, não vou debandar.”

“Sim, mas receio que terei que falar quando voltar, sabe, também sou subordinado.”

“Legal. Olhe, meu ônibus. Já vou, F.”

“Boa sorte, 014!”

“Valeu, vou precisar. E agora, to batle, and for success!”

F. sorriu, mas logo voltou ao rosto costumeiro, inespressivo. Acenou mais uma vez e virou as costas.

“A sorte está lançada!” - murmurou.

Dentro do ônibus, 014 sentia um gelo na espinha, efeito tardio de medo? Talvez. Mas todo mundo tem sua primeira vez, a de Daniel chegou.

Sentado no banco da janela, manuseava o cartão do hotel de Maringá: “King Palace – 5 estrelas, última palavra em conforto.” “Lugar ótimo para esconder 'material” Daniel pensava.

Agora era ir adiante. À Maringá, ao perigo. Pela janela desfilava as últimas paisagens de Foz do Iguaçu.

Daniel, 014, tinha duas missões: a da Abin, e a que ele mesmo impôs: localizar seu Ernesto.