No outro dia a cidade inteira comentava o assassinato do hotel King Palace. A polícia estava no hotel fazendo perguntas e Daniel achou melhor continuar representando; fez o papel do aluno de natação que perdera o professor.
014 tinha um pensamento fixo: o laptop. Assim que a polícia saiu do Palace, ele saiu também.
Andando na direção contrária à tomada pela viatura e procurando evitar a imprensa, Daniel andou 3 quarteirões, parando no primeiro telefone público. Precisava se comunicar com o pessoal. Discou para o Quartel do Exército de foz, usando antes um código de seis dígitos.
“Q.G. Foz, pois não?” - atenderam.
“014 na linha. Emergência com o setor de F.”
“014, se identifique.”
“D. M., nº completo 0141993/01.”
“Um instante.”
“Olá, 014.”
“F?”
“Em pessoa. Achei que uma comunicação sua valeria a pena.”
“Olha, perdi o meu contato, ele era dos caras. Mataram-no ontem à noite.”
“O Rubens? Já soubemos do assassinato. Vamos tomar providências.”
“Não posso explicar agora, mas eu preciso do laptop dele. Eu acho que está com o cara do hotel.”
“Como pretende conseguir?”
“Vou voltar pro hotel daqui a 5 minutos. Tudo o que terão de fazer é ligar para lá, pedir para falar com Carlos, do nº 12, e enrolar o cara.”
“Que confiança! Vou ver o que podemos fazer. Boa sorte, e não deixe eles te pegarem.”
“Tranquilo. Bye, F.”
014 saiu do telefone, mas não voltou em seguida. Podia estar sendo observado. Entrou na sorveteria em frente e pediu um duplo de morango. Dissera 5 minutos, dava pra ir tomando o sorvete devagar enquanto andava.
Entrando na recepção ouviu a moça que estava atendendo o telefone dizer:
“Vou passar a ligação para o quarto do Carlos, um minuto...não...não posso fazer ele vir à recepão para atender, moço...vou passar para o quarto dele.”
“Bolas!” - 014 resmungava - “Não lembrei dos telefones dos quartos. Droga!”
A recepcionista já estava passando a ligação, 014 não teria muito tempo, não sabia até quando o pessoal passaria o homem na conversa. Olhou para o relógio do pulso: “Uma corrida contra esse maldito ponteiro.”
014 foi até seu quarto correndo, e pegou a câmera digital que a Abin tinha dado à ele: do tamanho de um cartão telefônico, e espessura de uma polegada. Também não se esqueceu do ioiô: brinquedo fútil para ele, sem nada especial, como nos filmes e livros de ficção (esse não foi a Abin quem deu, ele mesmo comprou), mas que poderia ter serventia. Ainda levou o soco-inglês que a Abin forneceu (esperava nem usar).
Não tinha plano específico para invadir o apartamento do cara, ia pensar quando a hora chegasse.
Adrenalina a 300 por hora, uma super-pressão arterial – para essa hora não tinha treinamento que resolvesse, tinha que ser a experiência. 014 tinha até receio do cara escutar as batidas do seu coração.
Chegou em frente à porta, parou. Olhou para os dois lados do corredor e colou o ouvido à porta: tudo calmo, lembrava o apartamento do Rubens depois que arrombara a porta.
Com receio, desceu para a recepção:
“Olá!” - puxou conversa com a recepcionaista.
“Oi.”
“O Carlos saiu?”
“Saiu. Agora pouco ligaram pra falar com ele.”
“Viu se ele estava com alguma mala?”
“Não, ele não levava nada.”
“Valeu.” - Daniel deu uma gorjeta pra moça esquecer a conversa e subiu de novo.
Dessa vez foi ao seu quarto pegar uma chave-mestra.
Parou na frente do nº 12, conferiu o corredor e girou a chave. Com cuidado, a porta se destravou. Sentindo a sensação de que tinha um bumbo no peito, abriu a porta com um lenço na mão, para não deixar as impressões digitais. A primeira vista, o apartamento era idêntico ao seu, mas olhando bem, 014 distinguia pequenos detalhes sutis que faziam uma grande diferença. Conferiu que o telefone estava na saleta perto da porta, o que era bom. Indo para o quarto o telefone tocou. Bom sinal, a Abin estava agindo. Viu o laptop em cima da cama, podia ser que o cara não tinha dado muita importância, o que era bom.
Abriu o laptop ainda com o lenço na mão. Agora fazia diferença o treinamento da Abin.
Como um Hacker experimentado, descodificou o computador em um instante. Agora vinha o mais demorado: procurar sem saber o que estava procurando.
Digita aqui, pesquisa alí, fuça acolá, 014 viu um nome que o fez paralisar por completo: Ernesto Mattos!
Nessa hora a porta do corredor abriu. 014 sentiu um gelo na espinha.
A maçaneta da porta do quarto começou a girar. Um soco-inglês apareceu em um piscar de olhos na mão direita de 014, enquanto a esquerda se preparava para girar o ioiô.
“Triiiimm” - o telefone. A maçaneta voltou ao lugar.
“Alô?”
Um suspiro de alívio saiu involuntariamente de Daniel. Agora era uma tremenda corrida.
Pegou a máquina sem largar o soco-inglês e começou a fotografar os documentos de textos que apareciam a medida que o computador pesquisava as palavras “Ernesto”, “Mattos”, “Rubens”, e “armas”.
Já tinha tirado em média 40 fotos e fechado o laptop quando o “clique” do telefone apavorou de novo 014.
Deixou o laptop do jeito que encontrou e passou a perna pelo parapeito da janela. A janela dava para a rua que cruzava a avenida Paraná. 014 torceu para que ninguém olhasse para cima e se pendurou pelas mãos na saliência abaixo da janela. Era só um andar, mas uma queda razoável, se não conseguisse alcançar a árvore da rua.
“Droga!” - ouviu Carlos praguejando no quarto - “Engano, é? Depois de todo esse tempo falando comigo, descobre que era com outro Carlos!”
014 sorriu para si mesmo. Balançou um pouco tomando impulso e se atirou em direção à árvore.
“Seja o que Deus quiser.”
Alcançou a árvore por um triz e escorregou pelo tronco até a calçada.
Andou devagar até a entrada do hotel. Antes de entrar, retirou o cartão de memória da máquina e colocou na calça jeans adaptada com bolso interior disfarçado pelo acabamento.
Mais tarde, depositou o cartão de memória no correio com endereço específico que a Abin fornecera para isso. Depois foi direto para o hotel tomar uma ducha fria
“Alea Jacta Est!” - murmurou.